quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Mão na roda


- Boa noite!
Ele não queria estar ali, sentia-se medíocre. Chovia, poças no chão. Um carro passa espirrando água para os lados e uma gota cai ao lado do seu olho esquerdo. Retorna de seus tormentos e pensa em responder o boa noite, mas o prazo de validade havia expirado.
As luzes passavam em flash. A cada buraco que passava era uma martelada no prego que estava em seu peito. Doía e prendia. Relutava contra aquele sentimento de aprisionamento. Não queria estar à mercê das intempéries de uma pessoa, mas já estava. Sentia-se pequeno, um menino. Nunca viu o futuro atormentar tanto, o futuro era o presente. Presente de grego!
Um acanalhado e seu comparsa dirigiam sua vida nesse momento. Queria ele próprio ser o redeador de sua vida. Não agüentava mais, de manhã, de tarde e de noite; a cada passo, desde pequeno, nunca o conduzira. E isso o mordiscava aos poucos. Pouco a pouco, ia conquistando suas glórias que eram grandes para si, porém vagarosas e atemporais para outrem. Subia uma escada passo a passo, porém o ponto no qual gostaria de chegar, avançava em espaçamentos maiores.
Via em grande tela vidas iguais a sua. Tristezas, felicidades, sucessos, insucessos... Tudo coabitava nele, como em todos, mas para ele, pelo menos naquele momento, eram carregados de significados e reflexões. Um pingo era letra, pontuações, frases... Um pingo é chuva. Fechou a janela. Janela que revelava um mundo no qual ele já esteve e não queria estar, fechou a janela e as possibilidades. O ser humano é o mesmo desde os primórdios, contudo só recebeu uma mão de verniz, uns mais que os outros. Na rua, gente apressada corria da chuva.
A chuva, os fins de semana, a vida social fazia-o revirar em inquietudes. Suas divagações o tornavam chato. A pé não se chegava mais lá, e quando chegava não tinha mais clima para chegar. Em uma desacertada, ou acertada vez, em um bar do subúrbio da Central, me emputeci e soltei o verbo:
- Largue a porra dessa mulher e compre um carro!

10 comentários:

Mari Perséfone disse...

[ Um pingo era letra, pontuações, frases... Um pingo é chuva. ]

Ótimo! \o

Anônimo disse...

Eduardo,
O que seria da humanidade se não fosse o inconformismo? Um alvo que se movimenta cada vez que tetamos nos aproximar dele: "Subia uma escada passo a passo, porém o ponto no qual gostaria de chegar, avançava em espaçamentos maiores."
Isso me faz lembrar o princípio da incerteza de Heisenberg... mas isso não é hora de falar de Física Quântica... bom, pensando bem, acho que é. Em se tratando de ser humano, nada mais justo do que falar de incerteza, de múltiplas possibilidades... Ele estava certo: toda vez que aventuramo-nos a analisar um determinado fenômeno, nós alteramos a realidade existente. Sabe por quê? Na verdade, o que está errado é nossa forma de analisar as coisas...
Abraços,
Luiz Vasconcellos.

Celita disse...

Esse seu conto me deixou intrigada..

Eduardo Martins disse...

A inconformidade é intrigante e é o que nos faz emergir de uma situação inconforme. Sempre teremos pessoas que irão nos empurrar (s/ pederastia... rs) ou p/ frente ou p/ um abismo.
- Largue a porra dessa mulher e compre um carro! - Isso é um empurrão p/ frente. Apesar que num empurrão a pessoa empurrada pode tropeçar e cair...

Anônimo disse...

Eu já larguei a mulher.








Só não consegui dinheiro pra comprar um carro...

Um bêjo, meu querido!

Gustavo Martins disse...

Porrada, oras!

Então, porque no dia 14?

fab disse...

Um pingo era letra, pontuações, frases... qualquer coisa pode virar letra, e, no caso desse co nto, boas letras...
gosto da atmosfera que você envolve a narrativa dos que escreve, muito bacana...
abçs...

Fátima disse...

"As luzes passavam em flash. A cada buraco que passava era uma martelada no prego que estava em seu peito. Doía e prendia. Relutava contra aquele sentimento de aprisionamento. Não queria estar à mercê das intempéries de uma pessoa, mas já estava."

Mas já estava. É só quando se dá conta de que não queremos gostar, que gostamos.
E sobre o empurrão, quem está na condição de rendido tem uma grande possibilidade de se cair neste empurrão.

Anônimo disse...

"Acreditar eu não, recomeçar... jamais, a vida foi em frente e você simplismente não viu que ficou pra trás." Como um "passeio" de Kombi pode ser reflexivo nê, escritor?! Talvez esse seja o "pulo do gato" de muita gente. Determinadas respondem ao sofrimento de várias maneiras. Tomara que ele largue a mulher e compre um carro, ou largue o carro e compre uma mulher... ou...
ou...
Contos contados com encantos do encontro.

Anônimo disse...

Introspecção,medo,covardia,pavor do novo,baixa estima,comodidade,submissão.........esse homem tem tudo isso MEU DEUS ! E como ele,todos nós,veja,todos...não sejamos hipócritas! Nos reconhecemos em algumas das SITUAÇÕES,já passamos por tormentos assim,a diferença é virar,arriscar,se jogar e é disso que o ser humano tem medo,principalmente o universo masculino.
Não é apenas a mulher que ele tem que jogar fora,mas todas as suas frustrações,sua covardia....a mulher é apenas a justificativa que ele se deu,atribuiu tudo a ela.